Tuesday, October 12, 2004

Velhas questões, sempre actuais

"Pela minha parte, realmente, não apenas confesso, mas proclamo a plenos pulmões que quando traduzo os textos gregos - que não sejam as Sagradas Escrituras (onde até a estrutura da frase é mistério) - não é a palavra, mas o sentido que eu exprimo."
São Jerónimo

Quando o tema é a velha dicotomia entre tradução literal versus tradução livre, regresso sempre às sensatas palavras de São Jerónimo, na sua Carta a Pamáquio sobre o problemas de tradução. Uma reflexão sempre actual e de uma pertinência absoluta, não só quando falamos de tradução literária, mas também, e porque não, da própria tradução de textos técnicos e especializados. Heresias à parte, é sempre de uma exegese que falamos. Experimentemos, por exemplo, aplicar este modelo, esta mesma matriz conceptual a um contrato ou outro texto jurídico, e veremos uma semântica oculta desvelando-se por entre uma sintaxe ecléctica e impenetrável.

Monday, October 11, 2004

Um prenúncio de morte

"Há um prenúncio de morte", reza a canção. Reininho sempre à espreita, mordaz, irónico, mas tão preciso e actual. Curioso como associo sempre a tradução a um estado próximo da morte. Uma fase terminal, estado próximo do coma, espaço limite, limítrofe, algures na fronteira entre a vida e a morte. Transpomos limiares, desafiamos barreiras e lutamos contra a perenidade. Ingénuo desígnio de conquista da imortalidade. Fugaz e fluído.
Encaro a tradução como uma imolação e sacrífico. De mim e do(s) outro(s). Visceral na sua essência.
Segue-se a autópsia, processo forense. E com ela a análise clínica, cirúrgica, espécie de medicina legal.
Espaço de composição e decomposição do texto, fragmentação e pulverização, estilhaçamento perpétuo, cíclico. Fragmentos à deriva, "boiando vazios" aguardando um sentido...
"I Gather the Limbs of Osiris" dizia o poeta acerca do processo criativo lírico.
"Breathing life into a dead ghost" (corpse, whatever...), retomava.
O tema é recorrente. Transmutação e migração, pausa e continuidade, metamorfose e transfusão, morte na vida, vida na morte.
E é em busca desse "afterlife" que todos nós, tradutores, iniciamos uma longa viagem rumo às nossas origens, génese do ser e espaço privilegiado de encontro com o outro.
Apaziguamento e dilaceração. Às vezes é tão ténue essa linha que nos liga à vida. Por vezes é tão ténue o contacto com a estranha alteridade. Cumplicidades, portanto. Sobra o texto e a mão que, corajosa, nos guia no escuro.

My favourite tune




Sounds From The Thievery Hi-Fi

A melhor banda sonora para a ressaca pós-tradutória...

Sunday, October 10, 2004

Como areia, por entre os dedos

Desconcertante a forma como o sentido nos parece fugir por entre os dedos quando iniciamos uma nova tradução ou revisão.
O texto parece escorrer como areia e foge, plástico e multiforme como mercúrio. Dir-se-ia que Mercúrio ou Hermes passou por ali, baralhando sentidos, semeando a discórdia, abrindo brechas, dando-se à plasticidade da palavra e à fixação pela escrita.
O texto dobra-se e desdobra-se em múltiplos sentidos, numa catadupa intensa, voraz e fluído, rebelde e inconstante. Leibniz e Deleuze cruzaram-se ali numa dobra de sentido.
E a tarefa do tradutor é mesmo essa. Fixar o sentido, parar o tempo do texto, escutar a sua respiração, o seu palpitar, os seus murmúrios. Mas o sentido foge, ainda e sempre. E as palavras amontoam-se em sintonia, umas atrás das outras, com o labor de um artesão, artífice, plástico, mago, profeta, juntando e somando sentidos, descobrindo relações e consanguinidades, sempre à procura do termo certo, o eleito entre os demais.
Mas o texto cresce e continua o seu curso, rebelde, incontido. Somam-se as palavras, colam-se sentidos, fixa-se a sintaxe, adivinha-se a semântica... Plasticidade é a palavra que me ocorre, a capacidade de moldar e trabalhar esse material tão dinâmico e inquietante.
Por isso, avanço, recuo, volto a avançar e retrocedo, corto, apago, acrescento, adiciono, reformulo e condiciono, o sentido é o meu farol, a sintaxe o meu limite e espartilho, a palavra a minha luz.

Sob o princípio do contradutório

Depois da política, a moda do contradi(u)tório chegou finalmente à tradução. Chama-se Contraduções e nele encontrará algumas breves reflexões sobre as principais dúvidas, emoções, perplexidades, contradições e dilemas que caracterizam esta fascinante profissão, tantas e tantas vezes esquecida. Têm a palavra, portanto, os Estudos de Tradução... E têm a palavra também todos quantos partilham esta mesma emoção, esta mesma descoberta, este mesmo sentido que se esconde ou espreita em cada texto, por entre as palavras, pausas, momentos ou instantes de captura de um sentido fugaz.
Boas viagens e boas ideias.

Saturday, October 09, 2004

Contraduções

Benvindos ao Contraduções, o meu espaço de reflexão sobre o inesgotável mundo da tradução.