Ana Luísa Amaral
«Intertextualidades» (in Minha senhora de Quê, Lisboa, Quetzal, 1999, p. 24)
Microscópica quase,
uma migalha entre as folhas de um livro
que ando a ler.
Emprestaram-me o livro,
mas a migalha não.
No mistério mais essencial, ela surgiu-me recatadamente, a meio de dois parágrafos solenes.
Embaraçou-me o pensamento, quebrou-me o fio (já ténue) da leitura.
Sedutora, intrigante.
Fez-me pensar nos níveis que há de ler:
o assunto livro
e a migalha-assunto do leitor.
(era pão a matéria consumida no meio
de dois parágrafos e os olhos
consumidos: virar a folha, duas linhas lidas
a intriga do tempo quando foi
e levantou-se a preparar o pão
voltando a outras linhas)
Fiquei com a migalha,
desconhecida oferta do leitor,
mas por jogo ou consumo
deixei-lhe uma migalha minha,
não marca de água, mas de pão também:
um tema posterior a decifrar mais tarde
em posterior leitura
alheia.
«Intertextualidades» (in Minha senhora de Quê, Lisboa, Quetzal, 1999, p. 24)
Microscópica quase,
uma migalha entre as folhas de um livro
que ando a ler.
Emprestaram-me o livro,
mas a migalha não.
No mistério mais essencial, ela surgiu-me recatadamente, a meio de dois parágrafos solenes.
Embaraçou-me o pensamento, quebrou-me o fio (já ténue) da leitura.
Sedutora, intrigante.
Fez-me pensar nos níveis que há de ler:
o assunto livro
e a migalha-assunto do leitor.
(era pão a matéria consumida no meio
de dois parágrafos e os olhos
consumidos: virar a folha, duas linhas lidas
a intriga do tempo quando foi
e levantou-se a preparar o pão
voltando a outras linhas)
Fiquei com a migalha,
desconhecida oferta do leitor,
mas por jogo ou consumo
deixei-lhe uma migalha minha,
não marca de água, mas de pão também:
um tema posterior a decifrar mais tarde
em posterior leitura
alheia.
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