Saturday, October 24, 2009

Os estrangerismos e a defesa da língua portuguesa

Artigo publicado no jornal "O Globo", do dia 16 de Outubro de 2009 (versão online, disponível aqui)


'Os estrangerismos e a defesa da língua portuguesa'

Publicada em 16/10/2009 às 12h44m

Artigo do leitor Diego Barbosa da Silva

Desde maio deste ano, a lei 5033 está em vigor no município do Rio de Janeiro. De autoria do vereador Roberto Monteiro, ela dispõe sobre a exposição de propagandas em outros idiomas no Rio, tornando obrigatória a tradução em palavras cujas letras sejam do mesmo formato das originais. Caso contrário, em descumprimento, o artigo 3º da lei prevê multa de R$ 5 mil na primeira ocorrência, o dobro em caso de reincidência e até suspensão do alvará.

Não é de hoje que os brasileiros presenciam lei como esta. Desde 1999 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei do deputado Aldo Rebelo, do mesmo partido do vereador carioca, que dispõe sobre a promoção, proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa e a torna obrigatória no ensino, trabalho, relações jurídicas, meios de comunicação de massa, produção e consumo de produtos e na publicidade por brasileiros natos e estrangeiros residentes há mais de um ano no país. Ele ainda afirma que "qualquer uso da palavra ou expressão em língua estrangeira", sobretudo se tiver correspondente em português, seria "considerado lesivo ao patrimônio cultural brasileiro e punível com multa na forma da lei".

O deputado justifica a lei afirmando que os estrangeirismos descaracterizam a língua portuguesa e esse fato corresponde à "falta de senso crítico, estético e autoestima" do brasileiro. De certo, o projeto de lei causou forte reação de linguistas em todo o país e por isso recebeu várias emendas.

Para o vereador carioca, autor da referida lei, os cidadãos não compreendem o que as propagandas querem dizer, o que criaria para eles um desconforto. Ele invoca a Constituição para afirmar que todos são iguais e as propagandas limitam o entendimento de apenas um grupo, o que causaria uma desigualdade.

A conclusão a que chegamos é que ele enxerga os cidadãos como se fossem incapazes de compreender os anúncios. Mas pelo contrário, se eles não entendem tais anúncios, é porque não tiveram acesso a meios que lhes permitissem, como por exemplo, uma boa escola pública. Assim, por que não elaborar uma lei para aumentar o orçamento da educação no município do Rio de Janeiro?

A lei 5033 baseia-se num pensamento equivocado, que já deveria estar superado, de que há uma língua nacional pura, mais correta, que representa nossa cultura e por isso precisa ser defendida dos ataques estrangeiros, principalmente do inglês. A lei endossa o preconceito e a crença de que não somos um país multilingue. E não me refiro às línguas indígenas ou dos imigrantes, mas às várias línguas portuguesas que estão aí e são quase sempre esquecidas.

A língua é viva, transforma-se. E o que está fora hoje da norma culta amanhã pode não estar mais, porque a língua justamente pertence a quem a fala. Não precisamos ter medo dos estrangeirismos, pois o contato entre línguas sempre foi enriquecedor e a diversidade, fruto desse contato, nos torna mais preparados às transformações do ambiente. O inglês mesmo, essa língua "tão ameaçadora", tem palavras de origens de mais de 350 línguas, sendo que metade do seu vocabulário é de origem latina.

Não nos resta nenhuma dúvida da necessidade de uma política linguística para a elaboração de novos métodos de ensino de línguas e para a melhoria da educação do nosso Brasil, sobretudo para que todos tenhamos consciência das variedades de nossa língua e dos seus diferentes ambientes de uso. Mas não podemos perder o foco, pois o falante-cidadão é livre para se expressar como queira, afinal, língua também é identidade, intimidade e direito.



Comentário:
Lei n.º 5033 proíbe, no município do Riode Janeiro, a utilização de estrangeirismos em cartazes publicitários.
Os prevaricadores sujeitam-se a uma multa pesada e, em caso de reincidência, àsuspensão do alvará.
Este tipo de documento legal tem antecedentes no Brasil. O mais célebre é o Projecto deLei n.º 1676/99, do deputado federal Aldo Rebelo, que proíbe liminarmente o uso de estrangeirismos, mesmo em vocabulário técnico.

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