Questionário
Um daqueles amigos raros com maiúscula e sem reticências, mas sempre disponível com um parágrafo–travessão sincero lançou-me, via blogosfera, este repto sobre as minhas preferências livrescas que, desde já, aceito com todo o prazer, embora a desoras (como o coelho da Alice).
1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Dentro da minha tradi(u)ção anglófona escolheria, de imediato, e sem pensar muito, uma das tragédias de Shakespeare (“Hamlet”, por exemplo), mais dois “clássicos” (não contando com o clássico dos clássicos, o Magnum da Olá, delicioso a qualquer hora e a qualquer lugar), a saber: o “Ulisses” do Joyce e “The Wasteland” do Eliot. Naturalmente, é claro, com “arroz do mesmo”, ou seja, acompanhados pelas respectivas traduções, e por ordem de entrada em cena, António Feijó, João Palma-Ferreira e Gualter Cunha. Porque, tal como tantas vezes disse a propósito de outros assuntos mais prosaicos, está (quase) tudo lá. E porque tantas vezes me socorro desses excertos à deriva, tão verdadeiros, quanto actuais, nestes tempos de desassossego que nos corroem a alma e cansam o espírito: “These fragments I have shored against my ruins.” Ou ainda "Life is a tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing."
2. Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Depende. As minhas afinidades mudam conforme os tempos, os contextos e os humores. Tal como o J.P., identificava-me bastante com as personagens dos livros da minha infância e juventude. Comecei por gostar do Noddy pela sua inocência e ingenuidade. Confesso que ainda hoje releio com prazer esses livros à minha filha. Gostava muito do David e do Júlio d’”Os Cinco”, porque me transmitiam uma sensação de maturidade precoce noutros tempos de saudável inconsciência. Nessa vasta rede de cumplicidades mais adultas integraria ainda o já falado comissário Maigret e o incomparável senhor Hulot. Ou ainda o grande Peter Sellers, com ou sem pantera-cor-de-rosa. Na minha galeria de memorabilia há também um lugar especial para o inspector Harry Callahan, o 007 e “last, but not least” esse magnífico John Wayne, pugilista reformado em ”O Americano Tranquilo”. Ultimamente, mas por outras razões, fiquei rendido às aventuras e desventuras do pobre Eneas McNulty, protagonista do romance “As Atribulações de Eneas McNulty”, da autoria de Sebastian Barry.
3. Qual foi o último livro que compraste?
Para além daqueles enfadonhos livros técnicos que utilizo, por necessidade, para a minha investigação, docência e/ou prática profissional (noblesse oblige), o último livro “desinteressado” que comprei tem o título bastante original (pelo menos, para mim) de “A Tradução” e é da autoria de Pablo de Santis (colecção Pequenos Prazeres, ASA). Sob a forma de um policial, trata-se, na sua essência, de uma pequena e curiosa reflexão metafórica sobre a tradução e a interpretação em geral. Leve e descomprometido, portanto.
4. Qual o último livro que leste?
Por prazer ou por necessidade/contingências profissionais? Ultimamente, os livros que leio são aqueles que traduzo e/ou revejo por obrigação, e com os quais me identifico e envolvo até ao limite das minhas forças. Esgotam-me, despertam-me sensações ambíguas, tipo amor-ódio, e por isso estabeleço fortes laços afectivos com todos eles. O último, por exemplo, é um romance histórico/policial centrado na figura de um faraó egípcio.
Satisfeito, satisfeito, fiquei com a leitura de um brilhante ensaio sobre o papel da tradução num contexto global, da autoria de um dos meus académicos favoritos, Michael Cronin. Chama-se “Translation and Globalization” e aconselho-o vivamente a todos os interessados nestas matérias.
5. Que livros estás a ler?
Pois, ando a ler muitas coisas ao mesmo tempo, como sempre. Trabalhos, textos académicos, artigos científicos e monografias. E, para além disso, o tal livrinho da ASA sobre a tradução, as Memórias de Adriano da Yourcenar, e os poemas da Ana Luísa Amaral, sempre presentes na minha biblioteca de abrigo. Não esquecendo, é claro, uma banda desenhada (Tintin ou Astérix) ao deitar para descongestionar as meninges.
6. Que livros (cinco) levarias para uma ilha deserta?
Pois, isso depende. Se estivesse a traduzir ou a rever algo, levaria o inevitável portátil e rezaria a todos os santinhos para que a bateria acabasse (o que, tendo em conta o equipamento que tenho entre mãos, seria coisa para demorar aí uns 2 minutos). Tirando isso, era capaz de levar aqueles livros que fazem parte da minha lista de obras a ler, mas que, como nunca tenho tempo, ficam sempre adiadas sine die para outras calendas, e que, por isso mesmo, integram essa longa listagem de resoluções para qualquer ano novo. À procura, quem sabe, de outros tempos mais tranquilos, espécie de conta-poupança-reforma-literária pessoal e intransmissível para a minha aposentação. O primeiro de todos seria, ironia das ironias, o Robinson Crusoe”, "for the fun of the thing". Levaria também a Odisseia de Homero, o Ulisses do Joyce e “À procura do tempo perdido” do Proust. E levaria também esse pequeno guia de sobrevivência “Around the world in 80 days”, da autoria de Michael Palin ou a autobiografia recém editada dos Monty Python, “The Pythons' Autobiography By The Pythons”. E, já agora, não me poderia esquecer dos dois volumes que retratam e fixam no papel essa saudosa e inimitável experiência radiofónica do “Pãocomanteiga” (exemplares que, entretanto, me foram surripiados nos idos de 80 por mãos amigas). E ainda a mais recente colectânea de poemas da Ana Luísa Amaral, “Poesia Reunida”, para me lembrar da simplicidade das pequenas coisas que se vai perdendo por aí. E por me obrigar a reeducar os sentidos.
(Sim, já sei que são mais de cinco, mas a dificuldade está na escolha).
7. A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Gostava mesmo de contar com a cumplicidade e a opinião sincera e amiga da AGM, da AMC e do RCH.
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1 comment:
Escolhas interessantes.
Já pensaste na proposta que te fiz, de participares activamente no meu blog Pérolas da Tradução? Seria interessante ter a tua perspectiva tb.
Tb reparei no teu profile que gostas de Riders on the Storm. Viste o meu post de hoje, no Arte & Língua? Parece qye estamos em sintonia.
Bjs e diz qualquer coisa.
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