Sunday, March 29, 2009

Boa onda

Un petit rien de acid-jazz, neste domingo soalheiro, com hora de Verão.

E também aqui

Saturday, March 28, 2009

Meu Professor, Meu Amigo

(este "post" decorre de algumas mensagens que fui trocando, ontem e hoje, com um ex-aluno e amigo, acho eu, bem como da consciência de uma rede de amigos que fui criando ao longo dos últimos 10 anos...)

Coisa difícil de encontrar, hoje em dia... nestes tempos conturbados...
Porque as escolas correm o risco de se transformar noutra coisa... diferente daquilo que sonhámos e quisemos construir. Onde ficou o sonho, algures nesta viagem agitada?
Todos precisamos de navegar em águas mais calmas, encontrar portos de abrigo mais acolhedores, hospitaleiros, no meio da tempestade.

Não sei de/do que é que as pessoas têm medo. De quem têm medo? Quem tem medo de...?
De se dar... de se dar ao "outro", de partilhar... de construir algo juntos. Afinal, o que é isto de "educar"?
Já há muito que queria colocar este "post", aqui, como forma de tributo a um excelente profissional, e a um fantástico amigo.
Parte do que sou hoje, devo-o a pessoas como ele.
Parabéns, Professor!

Thursday, March 26, 2009

Blogue de Tradução Médica

Aqui transcrevo o que me veio à rede

As a fellow translation professional, you are probably also looking to stay abreast of what's happening in our industry.
I am glad to announce that we have launched the Medical Translation Blog at http://blog.fxtrans.com.
As we have done with our newsletters and published articles, the content will revolve around real-world issues faced by pharmaceutical/medical device companies and translation service providers:
Regulatory news such as the pending Asian Medical Device Directive, technology news (from machine translation to personal efficiency tools) and language developments like the recent Brazilian Portuguese spelling reform.
We post new content daily. You can stay up-to-date by subscribing (free of charge, of course!) to email updates or read our feed with your favorite RSS reader.
And you are invited to participate in discussions or by providing tips to developing news. Whether you participate actively or just read the posts, I hope that you will subscribe to the new Medical Translation Blog!

Andres Heuberger President, ForeignExchange Translations, Inc. The leader in medical translationsSpain * Canada * United States * Tel. +1.781.893.0013 * Fax +1.781.893.0012

Wednesday, March 25, 2009

Bread & Butter vs Star System

Mais uma vez, o Eduardo Pitta mostra alguma sensibilidade para estas coisas da tradução.
Interessante como coloca o dedo na ferida de um "star system" construído em torno da tradução literária/poética... aqui
Voltarei a isto mais tarde...

Monday, March 23, 2009

Honestidade intelectual

Interesting Dedication from David Lodge in his latest novel, Deaf Sentence

Conscious that this novel, from its English title onwards, presents special problems to its translators, I dedicate it to all those who, over many years, have have applied their skills to the translation of my work, and especially to some who have become personal friends: Marc Amfreville, Mary Gislon & Rosetta Palozzi, Maurice & Yvonne Couturier, Armand Eloi & Beatrice Hammer, Luo Yirong, Suzanne Mayoux, Renate Orth-Guttmann & Susuma Takayi.

Sunday, March 22, 2009

Mais um "exercício de estilo"

Nós cá somos apologistas da auto-aprendizagem, tipo "aprenda você mesmo", e vá praticando, para ver se não esquece:

E Jesus disse...

Mão amiga trouxe-me isto, que agora partilho convosco...

Naquele tempo, Jesus subiu ao monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Depois, tomando a palavra, ensinou-os dizendo:
- Em verdade vos digo, bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles...
 Pedro interrompeu:
 - Temos que aprender isso de cor?
 André disse:
 - Temos que copiá-lo para o caderno?
 Tiago perguntou:
 - Vamos ter teste sobre isso?
 Filipe lamentou-se:
 - Não trouxe o papiro-diário.
 Bartolomeu quis saber:
 - Temos de tirar apontamentos?
 João levantou a mão:
 - Posso ir à casa de banho?
 Judas exclamou:
 - Para que é que serve isto tudo?
 Tomé inquietou-se:
 - Há fórmulas? vamos resolver problemas?
 Tadeu reclamou:
 - Mas porque é que não nos dás a sebenta e... pronto!?
 Mateus queixou-se:
 - Eu não entendi nada... ninguém entendeu nada!

 Um dos fariseus presentes, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada, tomou a palavra e dirigiu-se a Ele,
dizendo:
 -Onde está a tua planificação?
 -Qual é a nomenclatura do teu plano de aula nesta intervenção didáctica mediatizada?

- E a avaliação diagnóstica?
- E a avaliação institucional?
- Quais são as tuas expectativas de sucesso?
- Tens para a abordagem da área em forma globalizada, de modo a permitir o acesso à significação dos contextos, tendo em conta a bipolaridade da transmissão?
- Quais são as tuas estratégias conducentes à recuperação dos conhecimentos prévios?
- Respondem estes aos interesses e necessidades do grupo de modo a assegurar a significatividade do processo de ensino-aprendizagem?
- Incluíste actividades integradoras com fundamento epistemológico produtivo?
- E os espaços alternativos das problemáticas curriculares gerais?
 - Propiciaste espaços de encontro para a coordenação de acções transversais e longitudinais que fomentem os vínculos operativos e cooperativos das áreas concomitantes?
- Quais são os conteúdos conceptuais, processuais e atitudinais que respondem aos fundamentos lógico, praxeológico e metodológico constituídos pelos núcleos generativos disciplinares, transdisciplinares, interdisciplinares e metadisciplinares?
 Caifás, o pior de todos, disse a Jesus:
 - Quero ver as avaliações do primeiro, segundo e terceiro períodos e reservo-me o direito de, no final, aumentar as notas dos teus discípulos, para que ao Rei não lhe falhem as previsões de um ensino de qualidade e não se lhe estraguem as estatísticas do sucesso. Serás notificado em devido tempo pela via mais adequada. E vê lá se reprovas alguém! Lembra-te que ainda não és titular e não há quadros de nomeação definitiva...


    ... E Jesus pediu a reforma antecipada aos trinta e três anos!



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Monday, March 16, 2009

O Leitor, esse (des)conhecido

Porque nos toca a todos, aqui fica um artigo da autoria da colega Maria Luísa Malato Borralho, docente na FLUP, e publicado no "Público"

A TORRE DE BABEL:
O ESTATUTO DE LEITOR NA UNIVERSIDADE PORTUGUESA

O Leitor é, para quem o desconheça, o professor que, nas Universidades portuguesas, ensina línguas vivas. Por muito estranho que pareça, o professor de línguas vivas não é um professor universitário como os outros. Ao contrário do que legitimamente sucede com quem ensina grego ou latim clássicos, o docente que ensina alemão, espanhol, francês ou inglês não tem enquadramento senão como “pessoal especialmente contratado”. Tal categoria abrange somente casos excepcionais a que se acede por convite. Assim, na prática, o actual Estatuto da Carreira Docente Universitária teve para os Leitores alguns “efeitos colaterais”:
a) associou e associa a categoria de Leitor ao ensino das línguas vivas;
b) vedou e veda aos Leitores estrangeiros (inclusive aos cidadãos da UE) qualquer progressão na carreira académica – tal disposição viola claramente o número 2 do artigo 39.º. do Tratado de Roma, relativo à liberdade de circulação de trabalhadores;
c) obrigou e obriga os docentes de línguas vivas a assinar regularmente um contrato inicial por um ano, renovável sempre por três, sem que algum dia tenham possibilidade de conseguir um melhor contrato ou qualquer outra forma de vínculo contratual por parte da entidade empregadora;
d) incentivou e incentiva as provas académicas de todos os outros membros (inclusive de Assistentes convidados e Monitores), mas desmotivou das mesmas o Leitor (quase sempre trabalhador estrangeiro), que continuaria sempre Leitor, tornando-o o elo mais frágil de toda a função docente nas Universidades. Em consequência, o Leitor é hoje despedido, independentemente da qualidade dos serviços prestados à Universidade Portuguesa, unicamente porque pode ser despedido.
Este sistema pressupunha uma sociedade em que os empregos eram estáveis, os regimes gerais de trabalho em dedicação exclusiva, ou em tempo integral, e uma legislação que protegia o trabalhador nacional em detrimento do estrangeiro. Também a fragilidade contratual do Leitor não sobressaía da dos restantes colegas. A carreira universitária é quase a única (quer no direito da função pública quer no direito do trabalho) em que a progressão se faz exclusivamente por provas e concursos públicos e nela só se pode ter o vínculo da nomeação definitiva, depois de passados 2 anos na categoria final da carreira (como professor catedrático) ou 5 anos na categoria anterior (a de professor associado).
Ainda há muito pouco tempo, 75% dos professores universitários não tinham nomeação definitiva. Ora muita coisa mudou entretanto neste contexto frágil e tranquilo. Tornou-se frágil e sobressaltado. Os 75% referidos serão hoje menos, porque muitos foram sendo despedidos e outros terminaram as provas académicas. Assiste-se hoje a uma revolução calada nas universidades e todas as revoluções (sobretudo as caladas) são darwinianas, cruéis para os seus membros mais fracos, aqui, os leitores, impondo-se a fraqueza contratual à importância dos leitores no equilíbrio do ecossistema universitário. Hoje, o Leitor, nas universidades portuguesas, não conhece limites para o trabalho que tem de aceitar. Os seus contratos passaram a ser renováveis anualmente, apesar de estarem há décadas a ensinar na instituição. O Leitor pode ser despedido porque não tem doutoramento, como pode ser despedido apesar de ter doutoramento. Dá aulas na licenciatura, mas (até porque as licenciaturas em línguas se reduziram invariavelmente a três anos) também agora de mestrado, quando não seminários de doutoramento, mas sem as garantias ou direitos que ainda assim possuem os restantes colegas. Mais exemplos haveria, até porque o Leitor serve para tudo e a quase nada vai tendo direito. Porque ensina línguas vivas. Porque é Leitor. Porque daí não pode sair, como sucede a algumas castas.
Num quadro em que os alunos chegam à Universidade com tantas deficiências na aprendizagem de línguas estrangeiras e simultaneamente se pede a estas instituições que preparem professores, tradutores ou intérpretes em apenas 3 anos, os leitores são insubstituíveis. A questão dos Leitores é pois científica, jurídica e económica. Que professores e que profissionais se poderão formar com qualidade, capazes de competir, no mínimo, num contexto europeu? Talvez o estatuto de Leitor possa vir a ser substituído com vantagem pelo recrutamento de Santos, de preferência Milagreiros, que ficam ainda mais económicos. Talvez se pense que é até vantajoso transformar todos os docentes em Leitores. A avaliar pelo que tem sucedido aos Leitores que deixaram a Universidade, não.
A educação é, além do mais, do ponto de vista económico, um negócio estranho. Como todo o pai sabe, o negócio demora dez, vinte anos a dar frutos que se vejam. Depois, investe-se o dinheiro numas coisas e os lucros surgem de outras. E quem investe não é nunca quem recebe.
O mundo é uma Torre de Babel. A Universidade é uma das poucas instituições que tem como propósito maior garantir a compreensão entre os indivíduos. E os Leitores uma das suas maiores armas.
Maria Luísa Malato Borralho
Professora associada com agregação
(Faculdade de Letras da Universidade do Porto)

Tradução simultânea: Precisa-se (urgente)

Há pessoas que nascem com um dom especial para as línguas.
Este homem, quando fala, é um verdadeiro "sinhor".
Tenho a impressão de que o discurso era o mesmo, fosse na Polónia, Eslovénia, Alemanha, Marte ou Miranda do Douro.
Talvez a entoação e o sotaque mudassem um pouquinho...



Saturday, March 14, 2009

Traduza você mesmo

Um pequeno e enfadonho exercício conceptual na arte da tradução do palavrão

From "The Sopranos" with love


the sopranos, uncensored. from victor solomon on Vimeo.

SE VOCÊ FOSSE UMA MÚSICA DOS U2, QUAL SERIA?

Para desanuviar a tensão

Estranha forma de vida

Segundo rezam as crónicas, este já foi, um dia, tradutor...


Assunto encerrado (ou talvez adiado até à próxima asneira)

O que significa que isto é mesmo uma causa (coisa) séria para nós, "happy few", que se preocupam com o estado das coisas (causas), enquanto outros assobiam para o ar, como se nada se passasse.
A BabeldoJorge coloca, e bem, o dedo na ferida.

Thursday, March 12, 2009

O Bom, O Mau e o Vilão: Ainda a propósito do Magalhães




'"Dirije o guindaste e copía o modelo" ou “Puxa e Larga uma peça por vês” são algumas frases com erros de português que podem ser lidas nos jogos didácticos e que são facilmente detectadas por crianças.
O problema terá ocorrido na tradução, que segundo o Expresso foi feita por um emigrante português, que vive desde os 10 anos em França e que só tem a 4ª classe.'
in Sic Online, disponível em
http://sic.aeiou.pt/online/noticias/pais/Erros+de+portugues+em+jogos+do+Magalhaes.htm

Ou ainda

1 - O Tux escondeu algumas coisas. Encontra-las na boa ordem.
2 - Dirije o guindaste e copía o modelo.
3 - Pega as imagens na esquerda e mete-las nos pontos vermelhos.
4 - Primeiro, organiza bem os elementos para poder contar-los.
5 - Quando acabas-te, carrega no botão OK.
6 - Abaixo da grua, vai achar quatro setas que te permitem de mexer os elementos.
7 - Com o teclado, escreve o número de pontos que vês nos dados que caêm.
8 - Tens a certeza que queres saír?
9 - Aprende a escrever texto num processador. Este processador é especial em que obriga o uso de estilos.
10 - Quando o tangram for dito frequentemente ser antigo, sua existência foi somente verificada em 1800.
[Fonte: Expresso]
in A Terceira Noite, disponível em http://aterceiranoite.wordpress.com/2009/03/10/magalhanes-em-10-licoes/


Lamento voltar ao assunto, mas há ainda umas coisinhas que precisava de esclarecer sobre isto.
Sei que corro o risco de tornar o assunto uma questão pessoal, estilo cruzada, mas há algumas verdades e constatações que podemos tirar de toda esta novela. Vejamos, portanto:

1. Afinal havia outro... como diz a canção.
2. Afinal a tradução já não terá sido apenas feita por um programa de tradução automática, mas sim por um humano. Óptimo, a continuidade da espécie humana está aqui assegurada.
3. É óbvio que havia necessidade de se encontrar um bode expiatório humano...
4. É óbvio também, e por muito que se diabolize a tradução automática, que aqueles erros jamais terão sido todos feitos por uma máquina ou programa informático.
5. A tradução automática é péssima, é claro, mas os erros que, normalmente, encontramos são de natureza semântica e sintáctica, e não tanto do foro morfológico, morfo-sintáctico, gramatical, whatever lhes queiramos chamar.
6. Daí, o elemento humano, homem/mulher... agente introdutor e validador do erro ou da asneira...
7. E, neste filme, o humano teve o azar de ser português, emigrante e a 4ª classe.
8. Sinceramente, tenho pena que este homem seja o elo mais fraco, como disse antes, desta perversa cadeia de transmissão do conhecimento associado a um bem de consumo.
9. E tenho pena que o humano seja, neste caso, crucificado ou, melhor ainda, exposto e sacrificado na praça pública, anónimo e "visivelmente invisível", personificando/encarnando na perfeição tudo o que de mau está associado à tradução.
10. Uma verdadeira homenagem ao "incompetente desconhecido". Perdoai-lhe, pois, já que a culpa não é sua. Uma coisa é ignorância; outra coisa, é incompetência.
11. E, no entanto, literalmente achincalhado, pejorativamente classificado como "emigrante" e "apenas com a 4ª classe", epítetos que toda essa gentinha "cobardemente correcta" usa e abusa para mostrar a sua alegada superioridade intelectual, moral, económica, social... "sacudindo, assim, a água do capote"...
12. Ser emigrante ou imigrante não é sinónimo de incompetência e falta de qualidade. Nem sequer um factor necessário para a análise qualitativa da tradução. Os tradutores são bons ou maus, não são emigrantes, nem cidadãos de primeira ou de segunda.
13. Ter a 4ª classe não é necessariamente sinónimo de tontice e boçalidade. Conheço muito boa gente com a 4ª classe que tem um discurso, inteligência e sensibilidade muito superiores aos senhores do Ministério da Educação e aos CEOs desse tão fantástico gigante do sucesso, a JP Sá Couto, verdadeiros responsáveis por este verdadeiro auto-de-fé em praça pública. De novo, uma coisa é ignorância; outra coisa é incompetência. E, neste caso concreto, graças a estes senhores, estamos perante um caso de lesa ______ (preencha o leitor o espaço em branco, por favor)
14. Porque o que está aqui verdadeiramente em causa é a tradicionalmente desastrosa política do "chico-esperto", cultora da incompetência, ganância e total falta de escrúpulos. Incompetência pura...
15. É claro ainda que, em última instância, todo este enredo revela a trágica situação de uma actividade nobre e honesta, a que muitos chamam (ou chamaram) "tradução", "mediação", "intermediação", "interpretação", seja lá o que for. E que agora chamam "localização", "engenharia de línguas", "indústria das línguas", "prestação de serviços de tradução"...
16. Ofício nobre e honesto, porque nele convergem valores e saberes que acompanharam e acompanham o Homem desde o início dos tempos. Valores de respeito, tolerância, ética, abertura ao "outro", diálogo, ligação, convergência, construção de pontes... era capaz de estar aqui a noite inteira a enumerar uma lista de conceitos que associo (ou associamos) ao labor/ofício/actividade/negócio da tradução.
17. A tradução não tem de ser necessariamente uma coisa negativa, associada a valores negativos e menores.
18. E, sinceramente, fico irritado com a forma como, desde sempre, quando se fala de tradução, há sempre esta construção, ficação, este discurso negativo, crítico e depreciativo que impera.
19. Não tenho procuração para defender os tradutores, meus pares. Sou apenas um profissional que está habituado a reconstruir com o discurso, aquilo que outros destroem com as suas palavras, actos, gestos... Sou, além disso, um formador que gosta de partilhar conhecimentos, competências e saberes com os seus alunos, dentro de uma perspectiva profissional e qualitativamente sustentada, baseada numa experiência de vida orientada para a prestação de um serviço que considero crucial, rigoroso e apaixonante.
20. Mas fico possesso quando nos envolvem nesta cadeia perversa, como se fôssemos os pobrezinhos, os parentes pobres, os néscios ou os coitadinhos que aspiram por um lugar ao sol, junto dos privilegiados e iluminados.
21. E fico furibundo quando nos afastam, ou somos afastados, dos processos de decisão e justificação, no fundo, quando nos cortam a palavra.
22. Este é, de facto, o espelho da realidade socioprofissional de uma actividade a que muitos chamam "tradução".
23. Há bons e maus tradutores, como há bons e maus médicos, ministros, professores, treinadores.
24. É lógico que há péssimos tradutores que se intitulam profissionais e que, com os seus actos, acabam por fazer tanto pela reputação da "classe" como o desgraçado e infeliz emigrante que teve o azar de estar no sítio errado, no momento errado.
25. Mas há excelentes tradutores que batalham todos os dias contra esse gente esclarecida que constrói Magalhães, elabora relatórios e contas, redige sentenças ou cartas rogatórias, fabrica prédios e centros comerciais ou legisla nos gabinetes.
26. Reparem que não falo só dos tradutores literários. Não me interessa aqui valorizar ou desvalorizar áreas e domínios de actividade. Falo sobretudo dessa multidão anónima que vive, tantas vezes, abaixo do nível das águas, no subsolo e no esquecimento, em total precariedade e ansiedade, que luta diariamente contra o anátema do desprestígio, desvalorização, subalternidade, inferioridade, palavras que são frequentemente lançadas, pela sociedade ou pelos clientes, para as costas do tradutor.
27. "Não gostei nada daquela tradução", "Era capaz de fazer melhor", "O tradutor não percebeu nada", "Não é assim que se diz", "Tive que mandar fazer tudo de novo", "É tão caro. O meu cão, que é bilíngue, fazia isso com uma perna às costas", "Tenho uma prima, que dá explicações e tem um curso de línguas, que me escreve os emails para os clientes de graça," etc, etc, são comentários que todos nos habituámos a ouvir.
28. O Magalhães é, portanto, e apenas, a metáfora da nossa existência.

Algures entre Sísifo e Tântalo, numa tensão constante entre o visível e invisível, somos, e sabemos ser, absolutamente indispensáveis, verdadeiro dínamo, roda motriz e elemento catalisador da sociedade e, no entanto, tristemente condenados a errar sem destino e sem lar, desenraizados e ostracizados por aqueles que nos acolhem e, ao mesmo tempo, nos apagam, muito convenientemente, através de uma simples tecla "Delete" (Apagar).

Tuesday, March 10, 2009

Sobre tradução de poesia (poema mudado para português por Herberto Helder)

Sobre tradução de poesia
(Zbigniew Herbert)

Zumbindo um besouro pousa
numa flor e encurva
o caule delgado
e anda por entre filas de pétalas folhas
de dicionários
e vai direito ao centro
do aroma e da doçura
e embora transtornado perca
o sentido do gosto
continua
até bater com a cabeça
no pistilo amarelo

e agora o difícil o mais extremo
penetrar floramente através
dos cálices até
à raiz e depois bêbado e glorioso
zumbir forte:

penetrei dentro dentro dentro
e mostrar aos cépticos a cabeça
coberta de ouro
de polén

Herberto Helder, in Ouolof (poemas mudados para português)

Monday, March 09, 2009

Quando a cabeça (do cliente) não tem juízo, o tradutor é que paga...

Eu já sabia, tinha cá um pressentimento, de que, lá no fundo, no fundo, esta bronca do Magalhães ainda ia sobrar para nós... o elo mais fraco, a modos que bode expiatório, ou seja, o tradutorzeco, melhor ainda, a traduçãozeca, essa coisa sem importância e menor, que se faz, assim com uma máquina, tipo merceeiro, e que depois se corrige à mão e em cima do joelho, para dar o toque ou retoque (tipo bate-chapas) final...
Mas o cliente tem sempre razão, e a ganância e a ânsia do lucro fácil dos progenitores do Magalhães é, a todos os títulos, exemplar. Que se lixe o "sofeteuére", que se lixe o "ardeuére" e os manuais de instruções, "elpefailes" e "faques", que se lixe o joguinho e que se lixe se as criancinhas conseguem ou não perceber as suas regrinhas e jogar o dito joguinho, ou mesmo ler as suas instruções... lixo literário inferior, por certo, filho de um deus menor. Afinal de contas, é mesmo muito fácil traduzir... e então tratando-se de instruções, qualquer pessoa está habilitada a tal, desde o Tino de Rãs, até ao Papa Bento XVI, passando, é claro, por Manuel Alegre ou pelo próprio José Mourinho.
Ah, a célebre e tão elogiada "localização", que ninguém percebe o que é, que ninguém sabe o que é, mas que toda a gente pratica de forma "inconciente" e abre a boca até às goelas de tanto fascínio e sedução... (bocejo...)
Valha-nos São Jerónimo.